Zumbi dos Palmares
É um grito de alerta
E de liberdade
Semente do bem
Formando também
Uma realidade.
Queremos contar aqui pra vocês um pouco sobre quem nós somos e o que fazemos. Mas para saber quem somos, temos que saber também porque somos e quem queremos ser. Isso porque, se temos uma certeza sobre nossa existência, é a de que somos seres históricos, ou seja, que somos frutos de uma história, e que o que nos mobiliza é a vontade de fazer história. Inspirados em Paulo Freire (em sua Pedagogia do Oprimido) afirmamos que para podermos ser mais, e fazer mais, precisamos conhecer bem nossa história, tanto a que já escrevemos quanto a que estamos escrevendo. E que jeito melhor de conhecer bem uma história do que a contando? Este texto então é muito mais do que uma narrativa, é uma reflexão/construção. Não se engane, não estamos apenas contando uma história, estamos fazendo ela.
De onde viemos
Imagine-se há uns 15 anos atrás: você concluiu o 2º grau em uma escola pública (poucas pessoas atingiam tal feito) e por um motivo qualquer você pensou em cursar alguma faculdade. Começavam aí alguns dilemas: como fazer para se preparar para o Concurso Vestibular? Em que Universidade/Faculdade prestar vestibular? Em qual curso se inscrever? As dúvidas eram muitas, mas algumas questões eram determinantes como por exemplo: as únicas opções de cursar gratuitamente uma faculdade eram as Universidades públicas (no caso do Rio Grande do Sul tínhamos, nessa época, UFRGS em Porto Alegre, UFSM em Santa Maria, UFPel em Pelotas e a FURG em Rio Grande) e os Vestibulares dessas instituições eram concorridíssimos (ainda hoje são) o que suscitava outro problema: como se preparar para uma prova da magnitude e complexidade de um vestibular? Observem o tamanho do problema, pois sabemos que um curso pré-vestibular tem um custo elevado demais para grande parte das pessoas que são atendidas pela Escola Pública tornando-os inacessíveis para esse público.
Em um contexto como esse, o acesso à educação superior era extremamente complexo. Os que tinham tal pretensão viravam-se do jeito que podiam, alguns trabalhavam para pagar um cursinho, outros se preparavam por conta própria para prestar vestibular nas Universidades Públicas. Evidentemente que alguns conseguiam ser aprovados e outros desistiam do sonho do ensino superior. Tínhamos os que, como ainda ocorre hoje, aventuravam-se nas faculdades privadas contraindo dívidas, muitas vezes, impagáveis. Não é incomum encontrarmos pessoas que não conseguiram concluir seus cursos nessas instituições por falta de recursos.
Foi nesse panorama que na primavera de 1995, no VI Encontro de Educadores Negros, promovido pelos APN – Agentes da Pastoral do Negro, em Porto Alegre, entre as diversas discussões e debates lá realizados, surgiu a ideia de desenvolvimento de um curso pré-vestibular popular (PVP) voltado para a preparação de alunos, preferencialmente afrodescendentes e provenientes da Escola Pública, o Zumbi dos Palmares Pré-Vestibular - ZPPV. Quem trouxe essa ideia para discussão, foi frei David Raimundo dos Santos que na época era um dos coordenadores e idealizadores do Pré-Vestibular para Negros e Carentes – PVNC, projeto similar realizado na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro. O curso recebeu o nome de Zumbi dos Palmares em homenagem ao tricentenário da morte de Zumbi, grande líder do Quilombo dos Palmares.
Em 1995 foi criado, na Vila Cruzeiro em Porto Alegre, um núcleo do ZPPV, e no vestibular da UFRGS de 1996 um aluno do curso foi aprovado para medicina. O CEPERS, Sindicato dos Professores do Estado, recebeu um núcleo em 1996, já em 1997 o Zumbi foi recebido na FACED, Faculdade de Educação da UFRGS, onde manteve, irregularmente, turmas até o ano de 2007. A trajetória do Zumbi em Viamão começou em 1997, ano em que a Professora Enilza Garcia, que atuou em Porto Alegre na Cultura e Cidadania, fundou um Núcleo na cidade, na Escola Municipal Castelo Branco. Posteriormente, em 1999, foi criado o segundo núcleo no bairro Santa Isabel. Do núcleo da Santa Isabel surgiu o Projeto Educacional Alternativa Cidadã – PEAC que funciona até hoje no Campus do Vale da UFRGS. Atualmente o ZPPV está funcionando na Escola Aberta Ana Jobin, parada 36 em Viamão.
Pode-se dizer que na região metropolitana de Porto Alegre, o Zumbi dos Palmares foi pioneiro na educação popular e modelo para o surgimento de diversos projetos com o mesmo enfoque. Hoje existe uma quantidade expressiva, de cursos espalhados pelo Rio Grande do Sul e Brasil com propostas educacionais similares.
Muitos dos avanços que, na atualidade, beneficiam os estudantes como as ações afirmativas das Universidades Públicas e as Bolsas do ProUni são bandeiras defendidas pelos cursos populares. Nesses 15 anos o Zumbi vem discutindo a educação e o acesso ao ensino superior e, em conjunto com os demais cursinhos populares, trabalhando para que as dificuldades dos estudantes da Escola Pública sejam enfrentadas e que o ensino público e gratuito seja de fato um direito desses estudantes.
Onde estamos
Quinze anos se passaram em meio a muitos altos e baixos. Hoje o Zumbi está em franco crescimento. Conta com uma equipe de professores e professoras com muita energia para investir no projeto, energia suficiente para atrair mais pessoas e espalhar mais ainda a ideia. Foi graças a essa energia que ao longo deste ano de 2011 foram criados dois novos núcleos em diferentes cidades da região metropolitana de Porto Alegre. Hoje, o Zumbi conta com uma turma no pré-vestibular do núcleo de Viamão, duas turmas no núcleo de Alvorada e ainda este ano iniciaremos uma turma no núcleo de Cachoeirinha. Em breve, talvez esse ano ainda, serão retomadas as aulas no núcleo do Centro de Porto Alegre, que este ano esteve desativado por falta de espaço físico.
À medida que mais pessoas aderem ao projeto, também aumenta o número de colaboradores externos, e consequentemente a diversidade de atividades educativas e culturais que conseguimos promover junto com nossos(as) alunos e alunas e com um número cada vez maior de interessados(as). Uma conversa com uma vítima da ditadura militar, a oportunidade de assistir/participar de uma peça de teatro-fórum, uma oficina com histórias em quadrinhos sobre racismo, são experiências que podem ensinar coisas que nunca seriam aprendidas em uma aula expositiva tradicional.
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Mesa de abertura do 1º Seminário de Educação Popular,
em outubro de 2010 |
À medida que crescemos, passamos também a sentir a necessidade de realizar mais encontros, mais eventos que disponibilizassem momentos de troca e construção conjunta, tanto entre nós quanto junto a pessoas que de alguma forma compartilham da nossa luta. Nesse sentido, organizamos o 1° Seminário de Educação Popular em outubro de 2010, onde além da participação do Zumbi, contou também com o cursinho Desafio de Pelotas, e de alguns PVPs históricos do Rio de Janeiro. Esse seminário representou um marco na história do Zumbi, por ter desencadeado uma série de reflexões que levaram a um processo de reorganização do cursinho. É também com esse intuito que estamos organizando o 1° Encontro de Educadores Populares do Zumbi no dia 06 de agosto de 2011, que reunirá educadores dos três núcleos em atividade para compartilhar suas experiências docentes e refletir sobre suas práticas.
O trabalho tem trazido resultados. É claro que não sumiram todas as dificuldades, são inúmeras, como é inevitável que seja em uma iniciativa tão ousada e com tão poucos recursos como um pré-vestibular popular. Mas cada vez temos mais estrutura e organização para lidar com elas. Continuamos com dificuldade para conseguir professores voluntários, mas já contamos com um quadro mais completo e fiel do que no passado. Continuamos convivendo com altas taxas de evasão dos estudantes, mas elas diminuíram significativamente em relação ao último ano. Continuamos com escassez de recursos, mas com doações e contribuições diversas já conseguimos computadores, fotocopiadora, livros, entre outros artigos essenciais. Continuamos com dificuldade para conseguir salas de aula para os novos núcleos, mas já contamos com pelo menos um núcleo em que temos um bom espaço, incluindo salas de aula, sala de reuniões, biblioteca e copa, que podemos usar com muita liberdade. Se depender de nossa vontade de trabalhar, as dificuldades só tendem a seguir diminuindo.
Para onde iremos
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Imagem por: http://vento-de-liberdade.blogspot.com/ |
Do nosso ponto de vista, as metas de um pré-vestibular popular não devem se limitar a benefícios individuais, como ajudar nosso público a ingressar na Universidade. Não que isso seja pouca coisa, pois não é. São tantos os mecanismos de exclusão do ensino superior, e tão dissimulados, que ajudar a chegar lá um público historicamente excluído já é um grande feito. Mas queremos mais. A própria existência de um público historicamente excluído já sinaliza que há aí uma injustiça, e é essa injustiça que queremos atacar. Muito mais do que conquistas pessoais, acreditamos que pré-vestibulares populares podem protagonizar conquistas sociais, mas para isso um pré-vestibular popular só pode ser pouco. Daí que uma das nossas prioridades daqui pra frente deve ser fortalecer laços de cooperação com outros PVPs, e com outros coletivos e movimentos da cidade que trabalhem com educação popular, tal qual já fizemos em outras oportunidades quando junto com a ONGEP e outros pré-vestibulares participamos de diversos encontros de cursinhos. Questionar a forma de acesso à universidade, mudar a cara da universidade pública é uma tarefa para muito mais do que um coletivo isolado, é uma tarefa para um movimento social. Quanto mais refletirmos conjuntamente sobre nossos objetivos comuns, quanto mais integrarmos nossas práticas, mais avançados estamos em direção a um movimento social de educação popular organizado em rede.
Texto escrito a muitas mãos e muitos corações por membros do ZPPV
Julho de 2011
* Texto escrito para o Jornal Educação Popular, organizado pela Ongep, cuja primeira edição deve sair em breve. Construído colaborativamente através da nossa Zumbiwiki.