terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Racismo no exército - Perseguição ao Capitão Marinho em Bagé/RS

Em janeiro desse ano (2011) um capitão negro do exército foi preso em Bagé, no Rio Grande do Sul. Seus crimes: Escrever o livro “Exército na Segurança Pública: uma guerra contra o povo brasileiro”, em que faz críticas ao envolvimento dos militares em ações de Polícia, como no caso da participação na invasão do Morro do Alemão e Vila Cruzeiro, no Rio; Denunciar que a Biblioteca do Exército lançou com dinheiro público o livro “Não somos racistas”, do jornalista Ali Kamel; Conceder entrevistas falando de segurança pública e racismo.

Entenda o caso pelas palavras do próprio Capitão Marinho no texto abaixo. Leia também uma entrevista recente dele ao Afropress clicando aqui.


A MINHA LIBERDADE É INEGOCIÁVEL!

Inicio este texto pedindo desculpas para minhas amigas e meus amigos pela minha abstenção, pois faz mais de quatro meses que não escrevo um texto para postar no BLOG. Vários foram os motivos que fizeram eu parar de escrever, mas o principal foi eu mostrar que sou um militar disciplinado e que jamais irei difamar a Instituição a qual pertenço.

Nestes últimos quatro meses, tornaram-se incontáveis os e-mail que recebi solicitando que escrevesse sobre os mais variados temas, entretanto, após a briga contra meu "EU", conseguia resistir a tentação de escrever, que era retroalimentada por cada e-mail que recebia. Porém, os ensinamentos de Nelson Mandela contidos no livro "Conversas que Tive Comigo" como: "Não fuja dos problemas; encare-os! Porque se você não lidar com eles, estarão sempre com você", mais os ensinamentos de Martin Luther King Jr. contidos no livro "Um Grito de Liberdade" como: "O que mais me preocupa é o silêncio dos bons", somados aos fatos que relatarei no decorrer deste texto, venceram a minha resistência de manter-me calado!

No dia 7 de janeiro deste ano (2011), fui preso sobre o argumento que tinha desertado do Exército. Como meu orgulho de envergar o uniforme verde-oliva é de conhecimento de todos, pois sempre faço questão de ressaltar isso nos meus textos, vários sites da internet, jornais impressos, revistas e programas de rádio e televisão publicaram que a minha prisão foi arbitrária (esta argumentação foi ratificada pela Justiça Militar) e, consequentemente, surgiram, na mídia, três causas para explicar o porquê fui preso injustamente: uma diz respeito ao fato deu ter lançado, pela editora JURUÁ, o livro "EXÉRCITO NA SEGURANÇA PÚBLICA: UMA GUERRA CONTRA O POVO BRASILEIRO!"; outra se refere ao fato deu ter publicado aqui no blog (www.capitaomarinho.blogspot.com) textos denunciando a editora do Exército (BIBLIEX) por usar  o dinheiro do povo na publicação de livro que nega o racismo no Brasil e afrontar as políticas públicas de ações afirmativas; e a terceira causa levantada, foi pelo fato deu dar entrevistas em jornais e programas de rádio e televisão falando sobre segurança pública e racismo.

Depois que fui solto, resolvi não dar nenhuma entrevista sobre a ARBITRARIEDADE da minha  prisão por entender que poderia ser hipócrita se negasse que as causas levantadas pela mídia  eram verdadeiras, ou poderia ser leviano caso eu as ratificasse. Por estes e outros motivos, preferi não comentar o fato e seguir, normalmente, a minha vida profissional. DOCE ILUSÃO! Ao me reapresentar no quartel, fui designado para exercer uma função que não existe no regulamento castrense e recebi a chave de uma sala para ficar durante o expediente. Trabalho que é bom, não recebi nenhum. Será que alguma empresa privada paga salário, ainda que seja muito menor do que eu recebo no Exército, para que seu funcionário fique olhando o tempo passar? Isso, além de ser humilhante para mim, é um total descaso com o dinheiro público!

Esta semana, fui advertido em reunião onde estava presente todos os oficiais do Batalhão, sendo eu o terceiro mais antigo na escala hierárquica, pelo fato de não deixar um subtenente, com mais de 40 anos de idade, realizar atividade física. Ele estava com a pressão arterial 20 por 12 (muito alta) e teria que praticar atividade física às 14:30h (15:30h no horário de verão) estando a temperatura marcando 36°C. Fui advertido pelo fato de entenderem que como o militar não tinha atestado médico (o médico do quartel deu baixa do Exército), ele teria de realizar os exercícios. Já presenciei e conheço vários casos de colegas que morreram durante ou após a realização de atividades físicas. Quantos pais de família ainda perderão suas vidas pelo fato de terem comandantes insensíveis ou imprudentes? 

Diante das situações expostas acima, decidi entrar com um documento pedindo resposta sobre outro documento o qual solicitei as minhas férias atrasadas (2009), pois já tinha passado o prazo regulamentar para responderem sobre minhas férias e nada foi feito. Gostaria de ressalta que férias é um direito previsto na Constituição Federal! Ontem, ao término do expediente, recebi uma notificação NEGANDO as minhas férias e no conteúdo da notificação há uma ordem que me causou ainda mais ojeriza pela gravidade do ABUSO DE PODER, a ordem é que eu não posso me ausentar da cidade de Bagé-RS sem autorização por escrito do comandante, ou seja, continuo preso, visto que meu direito de ir e vir mais uma vez foi cerceado de forma brutal! Até quando vão existir militares desrespeitando, impunemente, os princípios constitucionais? Muitos dizem que brigo contra o sistema e alguns me chamam de "burro" ou ingênuo porque brigo contra algo invencível. Eu não brigo contra o sistema! Eu brigo com pessoas que tentam impedir que o Exército brasileiro marche junto com a democracia e não respeitam os DIREITOS HUMANOS consagrados na Constituição Federal. E caso eu não vença esta briga, me consolarei nos dizeres de um dos maiores educadores da história brasileira, Darcy Ribeiro: "Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são as minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu". Tenho certeza que o Comandante do Exército (General Enzo) vai mostrar para a sociedade brasileira que fatos como o quê eu estou vivendo e relatando não são admissíveis e serão apurados porque o Exército brasileiro respeita e cumpre as leis do País!

Por fim, Bob Marley dizia: "É melhor atirar-se à luta em busca de dias melhores, mesmo correndo o risco de perder tudo, do que permanecer estático, como os pobres de espírito, que não lutam, mas também não vencem, que não conhecem a dor da derrota, nem a glória de ressurgir dos escombros. Esses pobres de espírito ao final de sua jornada na Terra não agradecem a Deus por terem vivido, mas desculpam-se perante Ele, por terem apenas passado pela vida". Após esta citação eu concluo com as seguintes palavras: ESCREVI ESTE TEXTO PORQUE A MINHA LIBERDADE É INEGOCIÁVEL!

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